Eu estava ainda me alimentando, sentada numa mesa na praça de alimentação, esperando minha sessão começar. Notei que havia algo errado quando vi uma moça grandona chorando aos soluços. Virei o pescoço e bati os olhos num homem de barba com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Assustada, olhei em volta, e reparei que uma em cada três pessoas estava em prantos. Minha mesa ficava na frente da saída das salas de cinema, e em pouco tempo percebi que as pessoas estavam saindo do filme que eu tinha pago para ver.
Sim, paguei para ver Marley e Eu, em todos os sentidos literais ou metafóricos possíveis. E não foi por causa daquela multidão chorosa que descobri como me sentiria a respeito do filme, já era bem óbvio, mas, ainda assim, paguei pra ver.
Marley e Eu não é um filme surpreendente, é inclusive bem fácil entender o porquê dele ter se tornado o hit natalino da vez. Já sabemos que há um apelo canino, uma via fácil de identificação de boa parte da população. Sabemos também que ele é baseado num Best Seller de não-ficção, ou seja, mergulho na vida real de alguém que deve ser gente como a gente. Não, não há um terceiro fator, é exatamente por isso que as pessoas estão pagando (literalmente) pra ver, porque elas se identificam com o cachorro e com o casal.
Eu nunca tive um cão, ainda não me casei, não tenho filhos, mas ainda assim me emocionei com a história. Isso acontece porque ela fala basicamente de escolhas, de lidar com as frustrações da vida, e, principalmente, com o tempo que passa.
Vemos o tempo passar com Marley, o pior cão do mundo, que entre devorar móveis e eletrodomésticos, vê seus donos tendo que lidar com as responsabilidades da vida. O casamento, a profissão, a paternidade, escolhas que devem ser feitas, e que por mais que possam mudar o rumo das coisas, não devolvem o tempo que passou. Marley está lá para mostrar que quando o cão de liquidação foi escolhido para dar início àquela família, o passo estava dado para a criação de um laço que vai muito além do que queríamos ser, que está no que efetivamente somos. Ou nos tornamos.
Assim como Marley, o tempo não pode ser mandado embora por estar atrapalhando, ele existe e faz parte da vida dos protagonistas, assim como da nossa. E a existência do tempo e de Marley nos faz ver de que é feita a vida, de constantes e intermináveis sacrifícios e recompensas, que vão fazendo nossa história e nos permitindo algum grau de felicidade, nos momentos a ela reservados.
Não me entendam mal, não estou dizendo que Marley e Eu é um filme revolucionário que me mudou a forma de enxergar a vida. Na verdade é um filme água-com-açucar, com alguns momentos engraçados, e sim, feito para chorar. Mas a banalidade da história pode mexer com algumas realidades conformistas, que se confortam com o final feliz? Sim. Os conformistas de verdade merecem tapinhas nas costas? De jeito nenhum, chutaria eu mesma alguns traseiros por aí. Mas pra mim o filme é um deleite para aqueles que estão certos das escolhas que fizeram, e que se esforçam pra encaixá-las da melhor maneira possível em seu ideal de felicidade. Com ou sem casamento. Com ou sem cachorro.
Há 4 anos