quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Scarface

Temos o início do século e a Lei Seca.
Gângsters italianos contrabandeando bebida, gerenciando prostíbulos, ostentando armas.
Essa época se tornou glamourosa, é divertido ver os mafiosos brigando por liderança, tiros, macheza, colhões.

É essa a diversão trazida pelo Scarface original, de 1932, enquanto o preto-e-branco atenua a crueldade, a inocência mascara os tiros e o sangue, e os cabelos curtos e frizados das moças nos transporta pra um mundo totalmente distante.
Se buscamos por barulho, frases de efeito e pompa, esse filme é perfeito.
Como um tempero especial, encontramos um sopro de complexidade na história, trazido por se basear na complexidade de uma vida real, a do célebre bandido siciliano Al Capone, mas que não conviu ser desenvolvida a fundo em 1 hora e meia de filme, aonde o barulho dos tiros, as frases de efeito e a pompa dos cabelos frisados eram o principal atrativo.
O resultado disso é que, assistindo o filme nos dias de hoje, nos deparamos com um gostinho de quero mais, um vazio em contradição com a qualidade do filme, e muitas interrogações no ar.

Esse vazio veio a ser suprido 50 anos depois, na refilmagem de Brian De Palma com Al Pacino carimbado com a cicatriz facial.
Pacino atende pelo mesmo prenome do gângster real, assim como também são homônimos os Tonys fictícios, o Camonte de 32 e o Montana de 83, mas vemos se tratarem de pessoas diferentes.
É interessante observar nesta ficção, como o contexto pode mudar a personalidade de alguém, ainda que contando-se a mesma história.
Somos transportados do preto-e-branco da década de 30, para o vermelho vivo dos anos 80. Tudo nesse novo Scarface é de um colorido vivo e macabro, assim como a música alegre e pulsante da época nos salta aos ouvidos numa batida frenética.

Temos barulho, temos frases de efeito e muita, mas muita pompa. Mas juntamos a eles um cenário atual, colorido, um enredo intricado, e complexas questões sociais e emocionais.
Os gângsters continuam gângsters, mafiosos, mas quando eles assumem a conotação de traficantes, a coisa não fica mais tão glamourosa.
A macheza italiana tem lá seu encanto, mas o comunismo cubano, o tráfico de drogas latino americano que marginaliza a população e reflete a pobreza nas Américas do Sul e Central não é tão divertido.
Podemos até torcer para que os bandidos levem um drink ou dois para os bares, já que nós memos poderíamos usufruir desse produto ilegal sem culpa, porém, certa culpa pode aparecer em ver as pessoas enchendo o nariz de pó sem parar.
O barulho dos tiros pode ser divertido, mas a violência explícita e o vermelho vivo do sangue traz uma diversão tanto mais chocante.
O preto-e-branco e o colorido, a Itália e a América Latina, a bebida e a cocaína, são muitos os contrastes resultantes da transposição da história de Al Capone para tempos mais recentes.

E é também resultado disso, desse novo contexto, a transformação na personalidade do personagem principal.
Um personagem em certa passagem chama Tony Monatana de caipira, e é mais ou menos o que ele é. Um caipira brutamontes, o baixinho revoltado com uma metralhadora na mão. Impulsivo por natureza e por influência das substâncias lícitas e ilícitas que consome, Tony Montana está sempre de cabeça quente, contando com a sorte para que seus atos dêem certo ou errado. E a estrutura de narrativa simples do filme deixa claro que tudo dá certo até o momento que dá tudo errado.
O grande mérito do enredo, é nos mostrar em detalhes o desenvolvimento das questões deixadas em aberto no filme de 32. E estão todas lá, esmiuçadas nas mais de 2 horas e meia de filme, ou simplesmente escancaradas na interpretação primorosa de Al Pacino. Conseguimos finalmente entender as motivações do personagem, e muito antes do final já conseguimos prevê-lo, sendo isso uma enorme vantagem, e não um demérito.
E graças ao talento de Brian De Palma, não perdemos por esperar uma sequência de desfechos memorável.

50 Anos separam os dois filmes, e do segundo já se vão quase 30. Recomendação máxima de ambos, percebendo o quanto se mudou no mundo e no cinema em 51 anos, e o quanto 27 anos não tiraram a atualidade chocante do Sacarface de Pacino.

Um comentário:

Rob disse...

E aí, Chandrinha! Vou conferir se Carol assitiu Scarface. Se não, vou colocar na nossa lista de uma das próximas semanas para o blog. Está na minha lista de filmes há séculos e ainda não vi. Aí vc confere lá nossos posts.

Beijos,

Fabio